10 de out. de 2015

Um coração aberto é uma mente aberta

Ou como eu acordei para as dificuldades da Inclusão

Conviver com pessoas com algum tipo de deficiência ou limitação sempre foi natural para mim.
Acredito que essa naturalidade se deve um pouco a minha personalidade e muito aos ambientes e pessoas com as quais convivi.
Estudei muitos anos em uma escola pública onde havia alunos deficientes. Isso não era tratado como algo extraordinário. Era normal.
Na minha classe tinha um garoto deficiente visual, e as crianças quase que brigavam para ajudá-lo, a professora que tinha que fazer uma escala!
Nessa escola os deficientes auditivos tinha uma classe só deles, mas a turma deles era para nós uma outra turma qualquer, não era "a classe dos surdos".
Para as crianças não importava a diferença, e para mim, a diferença era algo normal, e não algo que me afastasse das pessoas.
Agradeço imensamente ter tido a oportunidade de estudar e brincar com essas crianças, pois isso fez de mim uma pessoa mais tolerante.
Mas o meu olhar de criança e adolescente não foi suficientemente profundo para perceber o quanto a vida dos meus colegas de escola poderia ser difícil.
Quem é diferente nem sempre é aceito.
Demorei para perceber conscientemente a profundidade desse "não ser aceito", por mais óbvio que isso seja.
Esse acordar aconteceu antes de descobrir a doença celíaca.
Eu já tinha sofrido um aborto e tentei engravidar durante meses, até que enfim conseguimos.
Como a família tinha ficado bastante decepcionada com a primeira gestação, e como sabíamos que o risco de aborto era real, decidimos não contar.
Durante a gestação tive que fazer diversos exames, e muitos deles eu nem sabia exatamente o que procuravam, mas se era para o bem do bebê, eu pensava: "Vamos lá!"
Um dia fui fazer um ultrasson, e no final do exame o médico cheio de cuidados e explicações me disse que a medida da TN estava alterada.
Como eu não tinha a menor ideia do que se tratava, falei ok.
No mesmo dia eu tinha consulta, e chegando no consultório, a médica já me aguardava.
Ela me explicou que a medida da TN (Transluscência nucal) é uma medida de referência. E que uma medida alterada pode indicar algum tipo de problema no bebê, como por exemplo Síndrome de Down.
Eu continuei calma, e só perguntei: "O bebê está bem?"
Ela me disse que sim, e me perguntou se queria fazer mais exames para confirmar ou descartar os problemas. Me explicou que alguns exames eram invasivos e que um deles tinha risco de aborto.
Respondi que não era necessário, e fui para casa feliz da vida. Afinal meu bebê estava bem.
Naquela semana, a família descobriu a minha gravidez.
Ainda assim eu e meu marido decidimos não contar como a gestão estava difícil, para evitar que eles ficassem tensos e nos deixassem tensos.
Minhas gestações foram todas complicadas, sempre com o risco de aborto, fiquei de repouso em todas elas e tive que tomar várias medicações. E apesar de tudo, eu me sentia tranquila, e não queria que as pessoas se preocupassem.
Mas naquela semana eles descobriram a gestação!
Uma pessoa da família telefonou, e quis saber se era verdade que eu estava grávida. Eu confirmei.
Logo na sequência, a pessoa me perguntou se  a medida da TN estava normal.
Respondi que sim. E então eu ouvi a frase que me acordou...
"Que bom! Então agora eu posso te dar os parabéns!"
Eu fiquei tão chocada, tão pega de surpresa, que só tive forças para dizer que precisava desligar.
Lembro que senti vontade de vomitar.
Não porque eu tivesse medo pelo meu filho, mas porque a revolta em mim era muito grande.
Na verdade durante todas as minhas gestações meu único medo era de que eles não sobrevivessem.
Por diversas vezes durante as minhas gestações apareceram problemas e exames alterados, mas nunca senti medo ou apreensão em relação a problemas desse tipo.
Sabia que os riscos eram reais, mas também sentia que meu amor já era capaz de superar qualquer dificuldade, pois aqueles bebês, mesmo com poucos centímetros, já era meus filhos amados, independente das diferenças que pudessem carregar.
E por isso mesmo, a pergunta que eu me fazia sem parar era, por que os pais de uma criança deficiente não mereciam os parabéns? 
Essa pergunta rondou a minha cabeça durante muito tempo, e eu comecei a observar tudo com outros olhos e comecei a ver detalhes que antes não percebia.
As pessoas que pensam como esse familiar que me telefonou, infelizmente enxergam os seres humanos como objetos.
Objetos que não seguem um padrão, são objetos defeituosos, portanto sem qualidade.
Isso dói demais. Saber que os seres humanos não se reconhecem como únicos, que não conseguem entender o outro, que não conseguem aprender com as diferenças e as dificuldades.
Mas esse episódio foi ótimo. Me fez perceber o lado cruel da vida dos deficientes.
Eu sempre soube, desde de criança que os problemas existiam. Mas eu não tinha ideia do tamanho da crueldade.
Hoje eu sou uma pessoa mais consciente, mais atenta a isso. Mas ainda não consegui me acostumar a essa crueldade, e nem quero.
Todos temos preconceitos embutidos, mas é a consciência de si mesmo, é nesse confronto com o nosso lado escuro, com a dor, que podemos nos recuperar. É na vontade de aprender com o outro que podemos descobrir uma versão melhor de nós mesmos. Todos temos restrições e limitações.


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